Autores: Érica Luciana de Paula Furlan, João Renato Bennini, Cristina Barros de Araújo Faro2
Emílio Francisco Marussi2
Ricardo Barini2
Cleisson Fábio Andrioli Peralta2

Resumo

OBJETIVOS: Elaborar modelos de predição de peso fetal e de percentis longitudinais de peso fetal estimado (PFE)
com uma amostra da população brasileira. MÉTODOS: Estudo observacional prospectivo. Dois grupos de gestantes
foram recrutados: Grupo EPF (estimativa de peso fetal): pacientes para elaboração (EPF-El) e validação (EPF-Val) de um
modelo de predição de peso fetal; Grupo IRL (intervalos de referência longitudinais): gestantes para elaboração (IRL-El)
e validação (IRL-Val) de intervalos de referência longitudinais de PFE. Regressão polinomial foi utilizada com os dados
do subgrupo EPF-El para gerar o modelo de predição de peso fetal. O desempenho deste modelo foi comparado com
os de outros disponíveis na literatura. Modelos lineares mistos foram usados para elaboração de intervalos longitudinais
de PFE com os dados do subgrupo IRL-El. Os dados do subgrupo IRL-Val foram usados para validação destes intervalos.
RESULTADOS: Quatrocentos e cinqüenta e oito pacientes compuseram o Grupo EPF (EPF-El: 367; EPF-Val: 91) e 315 o
Grupo IRL (IRL-El: 265; IRL-Val: 50). A fórmula para cálculo do PFE foi: PFE=-8,277+2,146xDBPxCAxCF–2,449xCFxDBP2.
Os desempenhos de outras fórmulas para estimativa de peso fetal em nossa amostra foram significativamente piores do
que os do modelo gerado neste estudo. Equações para predição de percentis condicionais de PFE foram derivadas
das avaliações longitudinais do subgrupo IRL-El e validadas com os dados do subgrupo IRL-Val. CONCLUSÕES:
descrevemos um método para adaptação de intervalos de referência longitudinais de PFE, sendo este obtido por meio
de fórmulas geradas em uma amostra da população brasileira.

Introdução

A avaliação adequada do crescimento fetal é de fundamental importância para os cuidados perinatais e deve ser baseada em intervalos de referência longitudinais, que permitem a observação de padrões de modificações de peso ao longo do tempo1-8. O termo “intervalos de referência longitudinais de peso” (referências obtidas por meio de estimativas sequenciais dos pesos fetais) é usualmente empregado como sinônimo, mas considerado mais apropriado do que o termo “curvas de crescimento fetal”. Por esse motivo, o primeiro será utilizado com mais constância neste trabalho. Muitos estudos salientam que os modelos para estimativa de peso fetal deveriam ser adaptados às diferentes populações, respeitando suas características étnicas9-15. No entanto, a maioria dos centros utiliza fórmulas tradicionais geradas em outros países, que podem levar a erros significativos
quando aplicadas localmente14,15. Além disso, a avaliação do tamanho do feto (estimativa do peso em um momento da gestação) é frequentemente considerada como sinônimo de avaliação de crescimento, sendo esta interpretada erroneamente à luz de intervalos de referência provenientes de estudos transversais16,17. Além disso, apesar da importância dos modelos de predição de pesos fetais específicos para cada população, a maioria dos estudos que determinaram intervalos de referência de crescimento do feto usou fórmulas para estimativa de peso que não foram derivadas a partir de amostras locais4-8. Assim sendo, os objetivos deste estudo foram: desenvolver um modelo específico para estimativa de peso fetal
em uma amostra da população brasileira; comparar o desempenho desta fórmula com os de outras frequentemente utilizadas em nosso meio, mas geradas em outros países; construir intervalos de referência longitudinais de peso fetal (obtido com o uso da equação de estimativa de peso gerada neste estudo); e validar tanto a fórmula obtida para cálculo de peso quanto os intervalos de referência longitudinais.

Métodos

Este foi um estudo observacional prospectivo desenvolvido no Hospital da Mulher Professor José Aristodemo Pinotti, Centro de Assistência Integral à Saúde da Mulher da Universidade Estadual de Campinas (CAISM/UNICAMP) durante um período de quatro anos e meio (entre julho de 2007 e dezembro de 2012). Este protocolo foi previamente aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade de Ciências Médicas (FCM/UNICAMP). Todas as pacientes que concordaram em participar do estudo assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido. Dois grupos de gestantes, denominados EPF(estimativa de peso fetal) e IRL (intervalos de referência longitudinais) foram recrutados simultaneamente, mas com finalidades distintas: Grupo EPF: pacientes para elaboração (EPF-El) e validação (EPF-Val) de um modelo de predição de peso fetal; Grupo IRL: gestantes para elaboração (IRL-El) e validação (IRL-Val) de intervalos de referência longitudinais de peso fetal estimado (PFE). Os seguintes critérios de inclusão foram utilizados para o Grupo EPF: 1) pacientes admitidas no hospital para parto ou internadas com alta probabilidade de resolução da gestação nos próximos dias; 2) gestações únicas; 3) idade gestacional (IG) bem definida, baseada na data da última menstruação (quando conhecida) e/ou na medida ultrassonográfica do comprimento céfalo-caudal (CCC) do embrião ou do feto durante o primeiro trimestre, interpretados em intervalos de referência publicados por Robinson e Fleming18; 4) anatomia fetal normal durante as ultrassonografias obstétricas, confirmada por exame clínico pós-natal; e 5) parto em menos de 72 horas após a ultrassonografia realizada em nossa instituição para biometria fetal. Os seguintes critérios de exclusão foram utilizados para este grupo: anomalias fetais detectadas no neonato; parto ocorrido 72 horas ou mais depois da avaliação ultrassonográfica; e parto em outros hospitais. As pacientes recrutadas durante os dois primeiros anos do estudo compuseram o subgrupo EPF-El e aquelas recrutadas nos 15 meses subsequentes compuseram o subgrupo EPF-Val. A presença de doenças maternas ou condições possivelmente relacionadas a distúrbios de crescimento fetal não foram consideradas critérios de exclusão no grupo um.
Os seguintes critérios de inclusão foram utilizados para o Grupo IRL: 1) gestações únicas; 2) IG entre 18 e 24 semanas completas, bem definida, com baseada na data da última menstruação (quando conhecida) e/ou na medida ultrassonográfica do comprimento céfalo-caudal (CCC) do embrião ou do feto durante o primeiro trimestre, interpretados em intervalos de referência publicados por Robinson e Fleming18; 3) ausência de doenças maternas ou condições possivelmente relacionadas a distúrbios de crescimento fetal como a pré-eclâmpsia, diabetes, uso de drogas lícitas ou não; e 4) anatomia fetal normal durante o exame ultrassonográfico morfológico. Os seguintes critérios de exclusão foram utilizados para este grupo: desenvolvimento de qualquer doença materna possivelmente relacionada a distúrbio de crescimento fetal, em qualquer fase de seu acompanhamento; anomalias estruturais e/ou cromossômicas detectadas no feto ou no neonato; falta em mais de dois exames ultrassonográficos sequenciais durante o estudo; e peso fetal inferior ao percentil 10 de acordo com intervalos de referência publicados por Yudkin et al.19 e/ou oligoâmnio associados a índices de pulsatilidade elevados (>percentil 95) na doplervelocimetria das artérias umbilicais, interpretados em intervalos de referência publicados por Lees et al.20; e parto em outros hospitais. Peso fetal estimado abaixo do percentil 10 durante os exames ultrassonográficos de controle e/ou oligoâmnio e/ou aceleração da maturidade placentária (de acordo com Grannum et al.21) sem alterações nos índices de pulsatilidade obtidos na doplervelocimetria da artéria umbilical não foram considerados critérios para exclusão da paciente. As pacientes recrutadas durante os primeiros três anos e meio compuseram o subgrupo IRL-El (a elaboração dos intervalos de referência longitudinais foi feita com o uso da equação de estimativa de peso gerada neste estudo) e as pacientes recrutadas nos últimos 12 meses do estudo compuseram o subgrupo IRL-Val.A inclusão das pacientes em ambos os grupos não foi consecutiva e dependeu das escalas semanais dos médicos responsáveis pelas avaliações ultrassonográficas no estudo (ELPF, JRB, CBAF e CFAP). Todavia, o recrutamento dessas pacientes respeitou a sequência cronológica de internação para parto ou de encaminhamento dos ambulatórios de pré-natal de gestantes de baixo risco para ultrassonografia morfológica de rotina.
Para ambos os grupos, dados maternos e perinatais (IG no parto, peso e Apgar do neonato) foram obtidos de seus prontuários médicos. Em sua maioria, as gestantes tinham etnia variada e provinham de classes sociais média ou menos favorecidas. Todos os neonatos foram pesados imediatamente após o nascimento, na sala de parto, utilizando-se sempre a mesma balança (Filizola SA, Weighting and Automation, Campo Grande, MS, Brazil). Os exames ultrassonográficos foram realizados por via abdominal com equipamento Accuvix V10, equipado com transdutor C2–6 (Medison, South Korea).Em ambos os grupos a biometria fetal foi realizada de acordo com os seguintes métodos: As medidas do polo cefálico foram obtidas em imagem de secção transversal, incluindo a cavidade do septo pelúcido e os tálamos, vistos simetricamente. O diâmetro biparietal (DBP) foi medido da superfície externa da tábua óssea parietal proximal ao transdutor até a margem interna da tábua óssea parietal distal, em uma linha perpendicular à orientação da foice cerebral. A circunferência craniana (CC) foi medida com a utilização de uma elipse para cálculo automático e incluiu a superfície externa do crânio. A medida da circunferência abdominal (CA) foi realizada em imagem de secção transversal no nível do estômago
e do seio portal (junção da veia umbilical com o ramo portal esquerdo). Os diâmetros anteroposterior (DAP) e laterolateral (DLL) do abdome foram obtidos e o cálculo da CA realizado com a equação (DAP+DLL)xπ/2. O comprimento da diáfise femoral (CF) foi medido em um plano em que toda a estrutura pudesse ser identificada, preferencialmente com inclinação aproximada de 45 graus em relação ao feixe de ultrassom.
No Grupo IRL, as pacientes foram agendadas para exames ultrassonográficos a cada duas semanas, da inclusão ao parto. Em todos os exames, além da biometria, foram reavaliados a anatomia fetal, o grau placentário, o índice de líquido amniótico e o índice de pulsatilidade do fluxo na artéria umbilical. Análise estatística Características demográficas de ambos os grupos foram descritas separadamente com o uso de medianas e limites para varáveis quantitativas e frequências absoluta e relativa para variáveis qualitativas. No Grupo EPF, as gestantes do subgrupo EPF-El foram comparadas às do subgrupo EPF-Val em relação à idade, IG no momento da ultrassonografia, presença de doença materna, peso e Apgar do recém-nascido. Testes de Mann-Whitney e do χ2 (ou Exato de Fischer) foram usados para variáveis quantitativas e qualitativas, respectivamente.
Utilizando os dados provenientes do subgrupo EPFEl, análise de regressão polinomial até a terceira ordem foi aplicada para gerar um novo modelo para estimativa do peso fetal utilizando o peso do neonato como variável dependente e o DBP, CC, CA e CF como variáveis preditoras.
Os valores de tolerância, Eigenvalue, fator de inflação de variação, índice de condição e proporção de variância foram calculados para checar multicolinearidade entre as variáveis independentes.

Os seguintes critérios foram utilizados:

valor de tolerância menor do que 1-r2; Eigenvalue menor do que 0,1; fator de inflação de variação maior do que 1/(1-r2); índice de condição maior do que 0,30; e proporção de variância maior do que 0,8. Para a equação que melhor se adaptou aos dados, o teste de Kolmogorov-Smirnov foi aplicado para checar a normalidade dos resíduos. As fórmulas descritas por Hadlock et al.9, Hsieh et al.12, Birnholz et al.11, Woo et al.10 e Shinozuka et al.13(Quadro 1) foram aplicadas em nossa amostra, com o objetivo de comparar seus desempenhos com o do modelo criado neste estudo. O critério para seleção dessas equações foi a presença dos mesmos parâmetros (DBP, CA e CF)utilizados em nossa nova fórmula.